14 de maio de 2012, às 15h01min
Professor
da Universidade de Harvard e da Boston School of Medicine, Gardner
balançou as bases da Educação ao defender um método novo e ousado para
medir o grau de inteligência nas pessoas. Seus mais de vinte livros e
centenas de artigos vêm, ao longo de décadas, influenciando acadêmicos e
educadores de todo o mundo. E ele não quer parar...
Por Fábio Bandeira de Mello, Revista Administradores
Os critérios para determinar se alguém é inteligente mudaram
radicalmente nos últimos 20 anos. E um dos responsáveis por essa
transformação, sem sombra de dúvida, foi o psicólogo americano Howard
Gardner. Ele desafiou a sabedoria convencional sobre a compreensão da
inteligência humana ao concluir que a mente é composta de múltiplas
capacidades independentes entre si, ao invés de apenas uma. Para
Gardner, a inteligência não pode ser medida só pelo raciocínio
lógico-matemático, geralmente o mais valorizado na escola.
Porém, seus estudos vão além. Gardner também desenvolveu uma tese
daquilo que chama de "Cinco mentes para o futuro", ao demarcar os tipos
de competências que são necessárias para alcançar o sucesso pessoal e
profissional no século 21. Ele promove, ainda, o grupo de pesquisa Good
Work Project, com atuação pelo mundo, que defende o comportamento ético
e a melhora na autoestima profissional. O psicólogo conversou com a
Administradores sobre o seu trabalho realizado desde meados de 1980, e
também sobre os novos caminhos da sociedade para a educação e para o
trabalho.
Em sua teoria das Inteligências Múltiplas, você destaca que
cada pessoa possui uma mistura singular de vários tipos de inteligência.
Mas como exatamente funciona esse processo?
Todos os seres humanos possuem oito ou nove inteligências principais - linguística, lógica,
musical,
espacial, corporal, interpessoal, intrapessoal e naturalista. Além
disso, existe a possibilidade de possuirmos uma inteligência existencial
- a inteligência de refletimos sobre grandes questões.
No entanto, duas pessoas não possuem exatamente o mesmo perfil de
inteligências - nem mesmo gêmeos idênticos. Isso acontece porque nós
temos experiências e motivações diferentes, e não queremos ser como os
outros.
Conhecidas essas diferenças, educadores e pessoas de negócios têm uma
escolha. Cada um de nós pode tentar fazer o mesmo, ou podemos celebrar
as diferenças e tentar ajudar indivíduos a encontrarem seu próprio
nicho, de acordo com seus potenciais e interesses.
Se pensarmos nos administradores pelo mundo e nos tipos de
inteligência que descreve, quais seriam as inteligências mais
necessárias para saber administrar? Por quê?
Isso depende da natureza do trabalho. Se você trabalha em algum tipo
de organização artística (museus ou moda), você lida com inteligências
diferentes das quais lidaria se trabalhasse em uma companhia
manufatureira, financeira ou tecnológica. É claro que o papel que você
exerce na organização também importa. Se você trabalha com cálculo e
orçamento, a inteligência lógica é importante. Caso a pessoa trabalhe na
área de recursos humanos, as inteligências pessoais se tornam mais
relevantes. Já para quem pretende atuar com comunicação, a inteligência
linguística é crucial.
É claro que cada gestor precisa ser capaz de trabalhar com diferentes
indivíduos e, neste caso, ambas as inteligências - a interpessoal
(compreender os outros) e a intrapessoal (compreender a si mesmo) são
vitais.
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Imagem: divulgação |
Você tem uma análise bem crítica sobre os testes padronizados e os famosos testes de QI. Qual seria o motivo?
Há 100 anos, os testes de QI tinham o objetivo de predizer quem
melhor se encaixaria em um determinado tipo de escola. Eles fazem isso
muito bem, mas eu tenho um preditor muito melhor - a performance no
último ano de escola. O problema com testes de QI é que eles fazem um
trabalho racional de análise das inteligências linguística e lógica, mas
não testam as outras inteligências que, inclusive, são muito
importantes para o trabalho no século 21.
Quanto a testes padronizados, o que realmente contesto são as
respostas curtas e opções de múltipla escolha, que primeiramente
observam o conhecimento factual. A vida não consiste em testes de
múltipla escolha - você precisa decidir o que é importante e como lidar
com isso. Usar padrões é muito bom, mas padrões precisam ser apropriados
às tarefas imediatas.
Agora com computadores, podemos olhar diretamente para as
performances, através de simulações diretas das capacidades que são
necessárias. Essa é uma maneira muito melhor de avaliar competências que
um teste de múltipla escolha.
Além disso, não existe mais a necessidade de memorizar fatos. Eles
podem ser rapidamente obtidos em computadores pessoais e smartphones.
Precisamos de pessoas para entender como aqueles fatos são apurados - os
métodos que são usados por diferentes disciplinas e diferentes
profissões... e que se alega não terem nenhum mérito.
Você acredita que a educação ao longo do tempo vem sofrendo
problemas pela maioria das escolas tratarem todos os alunos da mesma
maneira?
Sim, mas quando você tem aulas extensas e professores que não são
versáteis, isso é inevitável. No passado, apenas um grupo tinha educação
individual - os muito ricos, que podiam contratar tutores. Agora,
vivemos pela primeira vez na história da humanidade um tempo em que
educação individual pode ser amplamente distribuída, através dos
computadores. Se existem dez maneiras de se aprender álgebra, ou como
consertar uma máquina, ou como dar sentido a uma guerra civil, todas
essas respostas podem ser obtidas on-line ou por aprendizado a
distância. A perspectiva é muito animadora!
Analisando os países emergentes, como o Brasil poderia
melhorar a educação nas escolas para potencializar as habilidades e os
tipos de inteligências dos nossos alunos?
A teoria das inteligências múltiplas recomenda dois passos:
individuação e pluralização. Individuação significa que devemos ensinar a
cada indivíduo de modo que ele possa aprender facilmente, e avaliar
esta pessoa de maneiras que sejam cômodas. Pluralização significa que
devemos ensinar assuntos importantes de mais de uma maneira. Se você
pode lecionar um assunto de diferentes modos, você recebe duas
recompensas importantes:
1) você alcança mais estudantes, porque alguns aprendem melhor
através de histórias, outros por meio da lógica, ou trabalhos
artísticos, ou esquemas; 2) você tem uma demonstração do que significa
compreender bem alguma coisa. Se você compreende bem qualquer assunto ou
ofício, você pode apresentá-lo de diferentes maneiras.
Nós temos uma vasta experiência em treinar a mente disciplinada,
muito menor que nas mentes sintética ou ética. E então aqueles países
que podem buscar esses tipos de mentes com êxito terão uma grande
vantagem. Muito do que é errado nos Estados Unidos, e em países
influenciados pelos Estados Unidos, é que estamos preparando nossos
jovens para os séculos 19 ou 20.
Você também desenvolveu a tese das "Cinco mentes para o
futuro", na qual ressalta como essenciais para o século 21 a mente
sintética, disciplinada, criativa, respeitosa e ética. Quais foram as
razões que o levaram a escolher essas cinco abordagens como
fundamentais?
Em meu trabalho com inteligências, eu operei como um pesquisador,
tentei definir as inteligências humanas essenciais. Quando recomendo
cinco mentes para o futuro, estou agindo como um diplomata. Não existe
nada mágico sobre as cinco mentes. Eu poderia ter escrito sobre a 'mente
tecnológica' ou 'a mente digital' ou 'a mente intercultural'. Escrevi
sobre mentes que considerei importantes e acredito que contribuí para
coisas importantes.
Mas qual delas é a mais importante?
Acredito que todas elas são necessárias, mas a respeitosa e a ética
são as mais importantes. Se não tivermos respeito pelos indivíduos,
particularmente aqueles aparentemente diferentes de nossas famílias, e
se não nos comportarmos de um modo ético, o planeta que conhecemos não
existirá. As pessoas no Brasil têm a imensa vantagem de viver em uma
cultura muito diversa. Isso é muito mais difícil para pessoas que vivem
em uma cultura mais homogênea, como na área agrária da China, ou
Escandinávia.
Quanto às outras três mentes, existem mais opções: algumas pessoas
serão peritas sintéticas e algumas pessoas serão criativas/empresariais.
Mas todas as pessoas precisam ter habilidade em alguma área, e esse é o
aspecto onde a mente disciplinada se torna crucial.
Ainda sobre as cinco mentes, você poderia nos apontar pessoas
que seriam excelentes exemplos por possuírem com desenvoltura uma
dessas mentes?
Existem exemplos em abundância de indivíduos com mentes disciplinadas
- bons estudiosos, artistas, profissionais. Como um grande sintético,
menciono o biólogo Charles Darwin. Na era contemporânea, dois grandes
biólogos sintéticos são E. O. Wilson e Stephen Jay Gould, ambos colegas
em Harvard.
Eu escrevi um livro chamado "Criando Mentes", sobre sete grandes
criadores da era moderna: o físico Albert Einstein, o poeta T. S. Eliot,
o pintor Pablo Picasso, o músico Igor Stravinsky, o psicanalista
Sigmund Freud, a dançarina Martha Graham, e o líder religioso-político
Mahatma Gandhi.
O presidente Barack Obama exemplifica uma mente respeitosa, enquanto o
presidente Abraham Lincoln tinha uma mente ética. Desculpem-me por
esses exemplos não incluírem indivíduos do Brasil, pois tive que
mencionar pessoas que conheço bem.
Quais são seus próximos passos em relação a pesquisas? No momento, está trabalhando alguma nova pesquisa que poderia nos contar?
Meu trabalho atual representa um esforço em dar condições ao meu país
e a outras localidades. Nos últimos cinquenta anos, os mercados também
se tornaram poderosos em demasia nos Estados Unidos e acabaram trazendo
uma situação em que a maioria da população é impulsionada pelo medo, de
um lado, ou pela ganância, por outro. Então, colegas e eu temos tentado
promover o bom trabalho, ou seja, o trabalho que é excelente, engajado e
ético.
Além disso, pregamos a boa cidadania, sendo ela, que consta em
membros que conhecem as leis e regulamentos de uma sociedade,
preocupam-se com eles e tentam fazer o que é certo para uma convivência
mais plena. Nós também estamos empreendendo esforços para aumentar a
incidência do bom trabalho nos Estados Unidos. Você pode aprender mais
sobre esse projeto visitando os sites
goodworkproject.org e
hgoodworktoolkit.org.
Fonte: http://www.administradores.com.br/informe-se/entrevistas/carreira-recursos-humanos/howard-gardner-o-psicologo-que-mudou-a-forma-de-pensar-a-inteligencia/79/